most of the inputs to production processes will be bio-based and not fossil-based. The Global North are developing strategies to leverage these new technologies, as well as to implement a specific idea of multilateral environmental governance. In the Global South there is also a momentum, but still with few clearly defined bioeconomy strategies. Moreover, they have the double challenge of dealing with the historical problems of inequalities and technological backwardness while seeking to implement sustainable development strategies. The bioeconomy appears to refer to the sustainable production and conversion of biomass into a range of food, medicine, fiber, industrial and energy products or as any economic activity derived from bioprocesses and bioproducts for efficient solutions in the use of biological resources that foster a transition to a model of sustainable development and social welfare. However, heterodox approaches based on bioecological visions criticize the mainstream framework on bioeconomy because it lacks the global and local asymmetries, mainly in the Global South. This paper attempts to make an investigation to build a theoretical framework on bioeconomy based in a World Political Economy perspective. To this end, we discuss the notions of sustainability in parallel to the visions/narratives of bioeconomy in order to bring a theoretical framework that allows a delineated interpretation of the economy. Then, we track theoretically the problem of comparative advantages and productive specialization to expand the scope of the world political economy analysis of the bioeconomy. Finally, we affirm the occurrence of some topics present in all visions of the bioeconomy, as well as highlighting distinctive elements to evaluate which is the best strategy to be adopted for countries that are at a disadvantage by being at an international insertion mostly based on the endowment of natural resources and less on the access to, and financing of, technologies, innovations in the productive process based on scientific knowledge
Keywords: bioeconomy; sustainability; productive specialization; heterodox economics; Global South
Resumo: A bioeconomia surgiu como uma visão e um elemento importante para a ideia de construção de uma civilização humana sustentável, indicando um sistema econômico no qual a maioria dos insumos para os processos de produção será de base biológica e não fóssil. O Norte Global vem desenvolvendo estratégias para alavancar essas novas tecnologias, bem como para implementar uma ideia específica de governança ambiental multilateral. No Sul Global, também há um impulso, mas ainda com poucas estratégias de bioeconomia claramente definidas. Além disso, esses países têm o duplo desafio de lidar com os problemas históricos de desigualdades e atraso tecnológico e, ao mesmo
1 Mestre no Programa de Pós-Graduação em Economia Política Mundial, Universidade Federal do ABC (UFABC).
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tempo, buscar implementar estratégias de desenvolvimento sustentável. A bioeconomia parece se tratar da produção sustentável e da conversão de biomassa em uma série de alimentos, medicamentos, fibras, produtos industriais e energéticos ou como qualquer atividade econômica derivada de bioprocessos e bioprodutos para soluções eficientes no uso de recursos biológicos que promovam a transição para um modelo de desenvolvimento sustentável e bem-estar social. No entanto, abordagens heterodoxas baseadas em visões bioecológicas criticam a estrutura dominante da bioeconomia porque ela não considera as assimetrias globais e locais, principalmente no Sul Global. Este artigo tenta fazer uma investigação para construir uma estrutura teórica sobre bioeconomia com base em uma perspectiva da Economia Política Mundial. Para tanto, discutimos as noções de sustentabilidade paralelamente às visões/narrativas da bioeconomia, a fim de trazer uma estrutura teórica que permita uma interpretação delineada da economia. Em seguida, rastreamos teoricamente o problema das vantagens comparativas e da especialização produtiva para expandir o escopo da análise da economia política mundial da bioeconomia. Por fim, afirmamos a ocorrência de alguns tópicos presentes em todas as visões da bioeconomia, bem como destacamos elementos distintivos para avaliar qual é a melhor estratégia a ser adotada para os países que estão em desvantagem por estarem em uma inserção internacional baseada principalmente na dotação de recursos naturais e menos no acesso e no financiamento de tecnologias, inovações no processo produtivo com base no conhecimento científico.
Palavras-chave: bioeconomia; sustentabilidade; especialização produtiva; economia heterodoxa; Sul Global
Resumen: La bioeconomía ha surgido como una visión y un componente importante para construir una civilización humana sostenible, indicando un sistema económico en el que la mayoría de los insumos de los procesos de producción serán de base biológica y no fósil. El Norte Global prepara estrategias para aprovechar estas nuevas tecnologías, así como para poner en práctica una idea concreta de gobernanza medioambiental multilateral. En el Sur Global también hay un impulso, pero todavía con pocas estrategias de bioeconomía claramente definidas. Además, se enfrentan al doble reto de hacer frente a los problemas históricos de las desigualdades y el retraso tecnológico, al tiempo que intentan aplicar estrategias de desarrollo sostenible. La bioeconomía parece referirse a la producción y conversión sostenible de biomasa en una gama de productos alimenticios, medicinales, fibras, industriales y energéticos o como cualquier actividad económica derivada de bioprocesos y bioproductos para soluciones eficientes en el uso de recursos biológicos que fomenten una transición hacia un modelo de desarrollo sostenible y bienestar social. Sin embargo, los enfoques heterodoxos basados en visiones bioecológicas critican el marco dominante sobre bioeconomía porque carece de las asimetrías globales y locales, principalmente en el Sur Global. Este trabajo intenta realizar una investigación para construir un marco teórico sobre bioeconomía basado en una perspectiva de Economía Política Mundial. Para ello, discutimos las nociones de sostenibilidad en paralelo a las visiones/narrativas de la bioeconomía con el fin de aportar un marco teórico que permita una interpretación delineada de la economía. A continuación, rastreamos teóricamente el problema de las ventajas comparativas y la especialización productiva para ampliar el alcance del análisis de economía política mundial de la bioeconomía. Finalmente, afirmamos la ocurrencia de algunos tópicos presentes en todas las visiones de la bioeconomía, así como destacamos elementos distintivos para evaluar cuál es la mejor estrategia a ser adoptada para los países que se encuentran en desventaja por estar en una inserción internacional mayormente basada en la dotación de recursos naturales y menos en el acceso a, y financiamiento de, tecnologías, innovaciones en el proceso productivo basadas en conocimiento científico
Palabras clave: bioeconomía; sostenibilidad; especialización productiva; economía heterodoxa; Sur Global
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Introdução
A intensidade e a velocidade dos desdobramentos da atual crise climática-ambiental fez crescer a necessidade de uma mobilização em larga escala não apenas das ciências naturais e das engenharias, mas também da ação imprescindível que os insights das ciências sociais podem cumprir em direção a um sistema econômico sustentável (Babic e Sharma, 2023; Brand et al., 2021). Entre as mudanças necessárias, estão a implementação de novas formas de produção de energia e de novos processos industriais. Nesse contexto desafiador, a bioeconomia emerge como visão e componente importante para, em tese, construir uma civilização humana sustentável, indicando um sistema econômico no qual a maioria dos insumos para os processos produtivos sejam de natureza biológica e não de origem fóssil (Saviotti, 2017).
Os países do Norte Global, ou países do centro, elaboram estratégias para alavancar essas novas tecnologias, assim como para implementar uma ideia específica de governança ambiental multilateral. Os países do Sul Global, ou países periféricos, também se inserem nessa movimentação, mas ainda com poucas estratégias de bioeconomia claramente definidas. Além disso, possuem o duplo desafio de lidar com os problemas históricos de desigualdades e atraso tecnológico ao mesmo tempo em que buscam implementar estratégias de desenvolvimento sustentável.
Na América Latina e Caribe esse contexto foi parte da recente experiência com governos de orientação progressista. Historicamente, as forças que compuseram essas administrações estiveram ligadas ao combate à desigualdade social e intentaram, com relativo sucesso, políticas que mitigassem tais assimetrias (Fernandez, 2021). Contudo, há grande controvérsia sobre como se lidou (e se tem lidado) com a problemática da sustentabilidade, mesmo que alguns países da região tenham se tornado referência com propostas autênticas adotadas normativamente. A manutenção e a intensificação da posição dos países da região como exportadores de matérias-primas e alimentos nas cadeias produtivas manteve e aumentou (em alguns casos) os conflitos ecológicos-distributivos estabelecidos em relações históricas de dependência que condicionam a situação de subdesenvolvimento (Furtado, 1978). O subdesenvolvimento é a ideia que cuida de explicar o caso especial de situações em que aumentos de produtividade e assimilação de novas técnicas não conduzem à homogeneização social no quadro de uma ruptura estrutural do capitalismo internacional expressa na relação ‘centro-periferia’, onde esse desequilíbrio se reflete no quadro da relação entre países (Furtado, 1992; Prebisch, 1949). Nesse contexto, desdobram-se na região e mundo afora discussões sobre como realizar uma transição verde nas economias. Entre essas estratégias, a bioeconomia aparece como alternativa importante e proeminente na literatura acadêmica e, principalmente, como objeto das estratégias de sustentabilidade
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de organizações multilaterais, governos nacionais e blocos regionais. No entanto, há diversos entendimentos e narrativas implícitas sobre o que a define e como a medir.
A bioeconomia parece se referir a produção sustentável e a conversão de biomassa em uma variedade de alimentos, medicamentos, fibras, produtos industriais e energéticos ou como qualquer atividade econômica derivada de bioprocessos e bioprodutos para soluções eficientes no uso de recursos biológicos que promovam uma transição para um modelo de desenvolvimento sustentável e bem-estar (CGEE, 2021; Saviotti, 2017). Isso significa que os recursos biológicos são a matéria-prima da bioeconomia, e esses recursos não incluem nenhum material orgânico fossilizado (Gomez San Juan; Bogdanski; Dubois, 2019). Argumenta-se regularmente que a América Latina tem uma grande vantagem potencial para a bioeconomia com sua suposta disponibilidade abundante e subestimada de recursos biológicos e ecossistemas naturais (CEPAL, 2020). Nesse sentido, a bioeconomia poderia ser um modelo para reduzir a dependência de recursos não renováveis e promover a produção intensiva em conhecimento de processos e recursos biológicos (Henry et al., 2019).
Teoricamente, seria possível adotar novos processos produtivos diversificados e de alto valor, capazes de mitigar as mudanças climáticas e ambientais e promover o bem-estar social. Entretanto, existem obstáculos substanciais – como a falta de progresso em ciência, tecnologia e inovação e as regras de propriedade intelectual existentes – para que os países do Sul Global adotem novas tecnologias essenciais para a bioeconomia (Saviotti, 2017). Em outras palavras, mesmo que alguns países tenham vantagens na dotação de recursos naturais, uma condição necessária para a produção de biomassa, há uma importante assimetria em relação ao acesso a financiamento, tecnologias e conhecimento científico – essa é a fronteira clássica entre centro e periferia (Cardoso; Reis, 2018) – o que pode gerar distorções na distribuição dos benefícios da bioeconomia (Pittaluga, 2020).
Na literatura, argumenta-se que os mecanismos direcionados ao mercado se mostraram ineficazes para lidar com as questões de conflitos ecológicos distributivos na América Latina e no Caribe, de modo que surgiram novos paradigmas de sustentabilidade nas comunidades locais (Martínez-Alier; Baud; Sejenovich, 2016). O Buen Vivir é o ideal mais notável nesse sentido, pois expressa um modo de vida harmonioso em relação à sociedade e à natureza, a partir de concepções de vida desejáveis baseadas na cultura dos povos andino-amazônicos (Cubillo-guevara; Hidalgo-Capitán; García-Álvarez, 2016) e uma alternativa desafiadora às estruturas convencionais de desenvolvimento baseadas em uma abordagem linear do crescimento econômico (Villalba-Eguiluz; Etxano, 2017). Se plataformas como o Buen Vivir pudessem dar nova ênfase aos sistemas de governança ambiental e de desenvolvimento na América Latina, seria possível que a bioeconomia fizesse parte de um processo alternativo de desenvolvimento sustentável e de uma reconfiguração das relações sociedade-natureza.
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Nesse sentido, a questão motivadora que apresentamos é: quais são exatamente as visões da bioeconomia e como elas se relacionam com as vantagens comparativas e a especialização produtiva? Este artigo tenta fazer uma investigação baseada em perspectivas de sustentabilidade forte para a bioeconomia no contexto da problemática inserção internacional dos países periféricos, em particular da América Latina. Acreditamos que todas as categorias mobilizadas fazem parte do arcabouço da Economia Política Mundial (EPM). Para tanto, discutimos as noções de sustentabilidade em paralelo às visões/narrativas da bioeconomia, a fim de trazer um arcabouço teórico que permita uma interpretação bem definida dos processos econômicos relacionados ao que se entende por bioeconomia. Em seguida, analisamos teoricamente o problema das vantagens comparativas e da especialização produtiva para expandir o escopo da análise de economia política mundial da bioeconomia. O artigo revisa as visões ortodoxas e heterodoxas sobre especialização produtiva e o uso da análise de trocas ecologicamente desiguais para apoiar uma perspectiva baseada em sustentabilidade forte. Por fim, encontramos quatro pontos comuns em todas as visões da bioeconomia – papel central de CT&I, integração de processos e sistemas, acúmulo de conhecimento científico e sistema de governança ambiental – bem como destacamos os elementos distintivos para avaliar qual é a melhor estratégia a ser adotada pelos países em uma inserção internacional baseada principalmente na dotação de recursos naturais e menos no acesso a tecnologias e inovações no processo produtivo com base no conhecimento científico.
- Conceitos de bioeconomia e sustentabilidade
Trazemos nesta seção conceitos comuns na literatura sobre bioeconomia. O primeiro conceito é aquele que surgiu como um balizador de políticas: a economia verde, cujo escopo de análise engloba os conceitos centrais tanto da economia circular quanto da bioeconomia. Esse foi o foco temático da Conferência Rio+20 para recomendar aos países políticas para alcançar o “crescimento verde”, outro termo usado de forma intercambiável com “economia verde” para se referir ao desenvolvimento de economias de baixo carbono (Barbier, 2012). Em teoria, em uma economia verde, o crescimento da renda e do emprego deve ser impulsionado por investimentos públicos e privados que reduzam as emissões de carbono e a poluição, que aumentem a eficiência energética e de recursos e que evitem a perda de biodiversidade (UNEP, 2011). Outra ideia mainstream na bioeconomia é a ideia de “crescimento verde”, cujas definições mais comuns são: (i) promover o crescimento e o desenvolvimento, garantindo que os ativos naturais continuem a fornecer os recursos e os serviços ambientais para o bem-estar (OECD, 2011); (ii) crescimento eficiente, limpo e resiliente no uso de
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recursos naturais, pois minimiza a poluição e os impactos ambientais, além de levar em conta os riscos naturais e o papel da gestão ambiental na prevenção de desastres naturais (World Bank, 2012).
A compreensão do que significa assumir um modelo de economia verde ainda é controversa quando se trata de problematizar o caminho do desenvolvimento sustentável no século XXI. Uma conclusão importante de uma análise comparativa é que a ideia de “economia verde” tem uma semelhança mais próxima com a economia mainstream e a economia ambiental, porque se baseia na visão econômica da escassez e por não existir uma ligação entre perspectivas ecocêntricas e soluções tecnocêntricas (Bina, 2013). Similarmente, sugere-se que uma parte substancial da pesquisa em bioeconomia adota noções de sustentabilidade fraca e do mainstream e business-as-usual (D’amato et al., 2017; Korhonen; Honkasalo; Seppälä, 2018).
O crescimento econômico representa um pilar fundamental da crença no progresso que prevalece desde a segunda metade do século XX, quando o pensamento econômico passou da primazia do pleno emprego – com base no pensamento de Keynes – para a primazia do crescimento econômico (Victor, 2008). A partir dos anos 1960, as preocupações com o aumento da poluição ambiental levou os países a se reunirem no âmbito das Nações Unidas em um processo que seria o início das conferências sobre meio ambiente (Veiga, 2013). Surgiram trabalhos notáveis para questionar as noções de desenvolvimento baseado no crescimento, e o mais significativo à época foi o trabalho que apresentou uma estrutura para investigar cinco tendências de preocupação global: industrialização acelerada, crescimento populacional, desnutrição em larga escala, esgotamento de recursos não renováveis e destruição de recursos naturais (Meadows et al., 1972).
A hipótese de haver restrições ecológicas globais ao crescimento econômico se mostrou nada absurda e passou a ser um limite claro para a escolha de políticas para o desenvolvimento e outros objetivos de cada sociedade (Meadows; Randers; Meadows, 2004). O desenvolvimento sustentável foi conceituado como o paradigma que atende às demandas atuais sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atender às suas próprias demandas, ao mesmo tempo em que afirma que essa deve ser uma nova era de crescimento vigoroso que seja social e ambientalmente sustentável. (Brundtland, 1987).
Na economia, as tentativas de abordar a preocupação com o esgotamento dos recursos naturais e o aumento dos danos ambientais surgiram com o questionamento dos instrumentos analíticos baseados na teoria neoclássica. Esta começou a dar sua explicação para o problema dos recursos naturais finitos e da degradação ambiental, moldando a economia ambiental e de recursos naturais (Dietz; Neumayer, 2009), também classificada como microeconomia aplicada à contaminação ambiental e de recursos naturais (Martinez-Alier, 2002). Sendo ainda uma visão do sistema econômico baseada no mecanicismo, na estática e no atomicismo – os típicos axiomas neoclássicos (Arnsperger;
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Varoufakis, 2006) – ainda assumia as preferências individuais como algo dado e dominante, além de o uso de recursos essencialmente ilimitados devido à infinitude do progresso técnico e da substitutibilidade.
A Economia Ecológica surgiu desafiando essa visão e inovou com a suposição de que as preferências humanas, a tecnologia, a compreensão do mundo em que vivemos e a organização social podem co-evoluir refletindo as restrições ecológicas (Costanza; Daly; Bartholomew, 1991). A visão da economia como um subsistema de um sistema maior e finito (Daly, 1977) teve importante impacto no pensamento econômico.
O ponto-chave disso é assimilar que todas as perspectivas teóricas trarão a sustentabilidade em sua respectiva órbita conceitual. Para se ter um quadro conceitual apropriado a esse respeito, é válido recorrer a uma divisão dos tipos de sustentabilidade existentes: as noções de sustentabilidade fraca e sustentabilidade forte.
Tem-se que a principal diferença entre a sustentabilidade forte e a sustentabilidade fraca deriva das hipóteses contrastantes sobre a substitutibilidade do capital natural. A ortodoxia econômica fez o caso inicial para os pressupostos da sustentabilidade fraca através dos trabalhos de Robert Solow (1956, 1974, 1993) e John Hartwick (1977). A sustentabilidade fraca é conhecida como o “paradigma da substitutibilidade” pois exige que o investimento líquido total, devidamente delineado para abranger todas as formas relevantes de capital, seja mantido acima de zero, em uma extensão da chamada “regra de Hartwick”. (Neumayer, 2013). Investir os lucros ou demais rendas auferidos dos recursos exauríveis em capital reproduzível (reproductible capital), tais como maquinários, pode ser uma solução para os problemas éticos com a vida das gerações futuras ao se consumir demasiadamente nos dias presentes (Hartwick, 1977). Solow (1993) entende a sustentabilidade como um caminho que oferece às gerações futuras a opção de serem tão bem-sucedidas quanto seus antecessores, ou seja, não é necessariamente uma maneira de conservar todos os recursos ou ativos.
A sustentabilidade forte tem um escopo mais amplo, dada a ampla formação da economia ecológica como um programa de pesquisa destinado a envolver diversas perspectivas e porque permite que certas premissas da sustentabilidade fraca sejam adotadas, como a incorporação do cálculo de externalidades nos sistemas de contabilidade, o estabelecimento de uma série de instrumentos de política e o desenvolvimento de indicadores (Neumayer, 2013; Saes; Romeiro, 2018). Na sustentabilidade forte, há um limite para a substitutibilidade entre as formas de capital produzido e o capital natural, pois se o crescimento estiver associado ao aumento da escassez relativa do capital natural – ou seja, se a degradação ambiental avançar sobre os recursos naturais e os serviços ecossistêmicos – o crescimento poderá se tornar inviável, dada a relação complementar entre essas formas de capital (Mueller, 2005). Não é possível concluir que a hipótese da substituição seja uma
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estratégia vantajosa para as gerações futuras porque ela é severamente limitada por características ambientais como irreversibilidade, incerteza e componentes “críticos” para o bem-estar e a possibilidade de vida na Terra. (Godin et al., 2022). Essa distinção é resumida na diferença de comensurabilidade de valores: (i) na sustentabilidade fraca, há uma forte comparabilidade de valores na internalização de externalidades nos preços; (ii) na sustentabilidade forte, a conservação do ambiente natural e de seus recursos e serviços é avaliada por meio de indicadores físicos com fraca comparabilidade (Martinez-Alier, 2002). Essas interpretações podem implicar a suposição da possibilidade de substituição (sustentabilidade fraca) ou apenas de complementaridade (sustentabilidade forte) entre os recursos naturais (ou “capital natural”) e o capital humano (Loiseau et al., 2016).
A contribuição para uma bioeconomia da sociobiodiversidade na Amazônia brasileira é um exemplo interessante de uma abordagem de sustentabilidade forte, ao considerar a necessidade de superar uma visão colonizadora do bioma em questão enquanto estoque de riquezas a ser explorado, em defesa de um avanço para uma perspectiva de economia baseada nos fluxos de materiais e de energia da região (Fernandes et al., 2022).
Georgescu-Roegen (1977, 1975) foi o primeiro a introduzir o conceito de bioeconomia, concebendo-o como uma abordagem para relacionar o processo econômico com sua origem biológica. A importância de sua contribuição, embora inegável do ponto de vista teórico, ainda tem uma correspondência incerta com as plataformas bioeconômicas e as agendas de desenvolvimento sustentável. Essa questão nos permite buscar um alinhamento com o debate entre sustentabilidade fraca e forte. Se for verdade que uma transição bioeconômica implicaria uma realocação de benefícios e encargos ecológicos, econômicos e sociais (Asada; Stern, 2018), então é necessário um entendimento mais profundo da economia política para abordar a questão. Assim, o debate sobre os tipos de sustentabilidade é tão importante porque se acredita que a biomassa é a única fonte de carbono que pode substituir os combustíveis fósseis em aplicações químicas ou materiais (Priefer; Jörissen; Frör, 2017).
Algumas das revisões de literatura frequentemente citadas sobre bioeconomia apresentam classificações importantes. Uma delas identifica três visões da bioeconomia: (i) a visão biotecnológica, baseada na importância da pesquisa, da aplicação e da comercialização da biotecnologia nos setores; (ii) a visão dos biorrecursos tem como foco o papel da pesquisa e do desenvolvimento (P&D) relacionados a matérias-primas biológicas, bem como no estabelecimento de novas cadeias de valor – enquanto a primeira tem como ponto de partida a aplicabilidade potencial da ciência, a segunda enfatiza o potencial de aprimoramento e conversão de matérias-primas biológicas; (iii) a visão bioecológica destaca a importância dos processos ecológicos, otimizando o uso de energia e nutrientes,
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promovendo a biodiversidade e evitando monoculturas e a degradação do solo (Bugge; Hansen; Klitkou, 2016). Outra classificação da bioeconomia é a abordagem das narrativas, baseada na estrutura da economia institucional clássica aplicada à sustentabilidade, com foco não apenas nos atores, nas relações e nos conflitos envolvidos em cada narrativa, mas também nas interações entre os sistemas econômicos e ecológicos. (Vivien et al., 2019). As narrativas seriam importantes como uma etapa pré-analítica na formulação e no uso de estruturas formais e teóricas, ou um momento em que os pesquisadores estão construindo a rede em que os componentes do sistema em análise são marcados (Giampietro; Ramos-Martin, 2005). As três principais narrativas identificadas dos tipos de bioeconomia foram: (i) a bioeconomia baseada nas formulações de Georgescu-Roegen que consideram os limites da biosfera; (ii) a bioeconomia como uma garantia industrial proporcionada pela revolução biotecnológica – ou baseada na ciência; (iii) a bioeconomia como uma economia de carbono de base biológica – ou baseada na biomassa (Vivien et al., 2019). Os autores concluem que o uso convencional das duas últimas narrativas para um “crescimento verde” pode ser considerado como um sequestro semântico e conceitual da formulação de Georgescu-Roegen.
É possível notar uma convergência interessante nas revisões que concebem narrativas e visões para a bioeconomia. O crescimento é uma meta para as visões da biotecnologia e dos biorrecursos, uma diferenciação característica com a economia ecológica e, consequentemente, com a visão bioecológica sobre a incompatibilidade da lógica do crescimento como força motriz da organização econômica da sociedade. Esse contraste está na assunção de noções de sustentabilidade fraca e forte, respectivamente, bem como nas relações entre natureza e economia que cada narrativa imprime: a biotecnológica vê na produtividade a resolução dos problemas de sustentabilidade; a de biorrecursos considera a biomassa como recursos renováveis disponíveis e importantes para a substituição de combustíveis fósseis; a bioecológica considera conceitualmente a complexidade da evolução da vida para os processos econômicos.
O estudo das perspectivas da bioeconomia na CEPAL e nos países da América Latina e do Caribe (Rodriguez; Hitschfeld; Mondraini, 2017) pressupõe uma continuidade desde a definição de bioeconomia de Georgescu-Roegen até algumas das plataformas de bioeconomia mais referenciadas (EC, 2012; OECD, 2009). No entanto, essa afirmação é contestável, pois esses últimos relatórios pressupõem uma concepção mecanicista do processo econômico e uma crença na substituição de fatores por meio do uso intensivo de biomassa (VIvien et al., 2019). Mesmo que essa visão de bioeconomia altere os padrões de produção e, consequentemente, mesmo a uma mudança importante no sistema econômico em descolamento do crescimento econômico como orientador dos processos econômicos, as propostas radicais e originais do nexo bioeconômico – compartilhadas atualmente
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pelos campos do decrescimento e da economia solidária, por exemplo – não são hoje objeto das estratégias de bioeconomia (Priefer; Jörissen; Frör, 2017). - Especialização produtiva e desdobramentos para a bioeconomia
Smith (1776[1996]) abordou o tema da especialização produtiva, dentro do escopo da Economia Política Clássica, buscando entender as motivações e a natureza da divisão do trabalho desde as unidades locais de produção até o âmbito do comércio entre as nações. A propensão à troca seria um dos princípios fundamentais da divisão do trabalho. O limite dessa divisão é a ampliação dos mercados, de modo que há um incentivo para aumentar o mercado de um determinado produto, aproveitando as condições de produção de cada país e as vantagens do transporte internacional, levando à intensificação dessa especialização. Nesse sentido, o livre comércio seria capaz de garantir os bens necessários para cada nação, sem a interferência do governo e por meio da competição motivada dos agentes.
O princípio da vantagem comparativa foi elucidado como pressupondo um sistema de livre comércio no qual cada país emprega a mão de obra naquilo que lhe é mais benéfico, ou seja, em bens nos quais tem vantagens relativas nos custos de produção expressos em termos de horas de trabalho necessárias (Ricardo, 1996). O modelo ricardiano implica que os países tendem a exportar bens nos quais têm maior produtividade relativa da mão de obra, assim como tendem a importar bens nos quais essa produtividade é baixa (Silva; Lourenço, 2017). Como essa teoria dos custos comparativos se baseava em diferenças nas estruturas tecnológicas entre países diferentes, ela não considerava a origem dessas diferenças, que poderiam ser atribuídas ao clima, à localização, à dotação de recursos naturais, à especialização dos trabalhadores, ao conhecimento tecnológico e ao acúmulo de capital prévio (Roncaglia, 2005).
As premissas neoclássicas para a economia internacional são assumidas no âmbito da economia ambiental, apresentando uma lógica de ganho mútuo para o livre comércio internacional, pois o comércio permitiria que os governos tributassem e levantassem recursos para diversos fins, incluindo a redução da poluição e a proteção geral do meio ambiente (Muradian; Martinez-Alier, 2001).
No final do século XX, ainda havia controvérsias na ortodoxia sobre os determinantes do crescimento econômico, tendo em vista as crescentes assimetrias entre países ricos e pobres após o fim de Bretton Woods (REIS, 2016). Uma hipótese convencional do modelo de crescimento de Solow (1956) presumira que os países pobres, por conta da hipótese de padrão tecnológico, tenderiam a crescer mais rapidamente e poderiam realizar a chamada convergência econômica para os níveis de renda e padrões de vida dos países ricos. A hipótese de Sachs e Warner (1995) olhou para além de
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fatores como tecnologia, capital humano e potencial de crescimento de longo prazo e buscou outra explicação para o fracasso da convergência: escolhas políticas eficientes seriam uma condição suficiente por meio de instituições razoáveis, garantindo uma política comercial aberta adequada e assegurando os direitos privados de propriedade. Auty (2001) resume a visão das etapas para os países nos “estágios iniciais” do desenvolvimento: as exportações de commodities seriam a única maneira para esses países gerarem divisas necessárias para pagar importações essenciais e o serviço da dívida externa. Uma expansão e liberalização do comércio atrairia investimentos estrangeiros e tecnologias avançadas; portanto, o crescimento é maximizado.
A hipótese de Sachs e Warner foi o prelúdio da visão dominante que normaliza a situação de subdesenvolvimento dos países periféricos: a tese da “maldição dos recursos naturais” que, como um “fato empírico”, relacionaria a tendência de desempenho econômico ruim dos países com recursos naturais em abundância (Sachs; Warner, 2001). Essa abordagem reconhece o mérito da tese da deterioração dos termos de troca (Prebisch, 1949; Singer, 1950) em oposição à teoria das vantagens comparativas, mas dá menos importância analítica à abordagem estruturalista (Frankel, 2010).
A perspectiva crítica da narrativa mainstream apresenta contestações de vários campos que questionam as suposições e conclusões no escopo da especialização produtiva (Reis, 2016). A posição heterodoxa que se opõe ao livre comércio é contra essa forma de divisão internacional do trabalho entre sociedades e nações. Embora o subdesenvolvimento tenha sido visto como o fenômeno a ser explicado, do ponto de vista histórico, seria razoável referir-se à “periferização” como a norma e ao desenvolvimento autônomo e bem-sucedido como a exceção (Senghaas, 1985). Assim, para interpretar a especialização em recursos naturais – que inicialmente é uma especialização em exportação e, eventualmente, uma especialização produtiva – a abundância é um requisito inicial ou resultante da capacidade tecnológica e dos investimentos de um país (Reis; Barbosa; Cardoso, 2019). As indústrias baseadas em recursos naturais são bastante diferentes da manufatura convencional, pois um desses aspectos é o impacto ecológico que afeta os “recursos” ambientais, como lagos, florestas, mares, minas e terras agrícolas, sem mencionar os diversos efeitos climático-ambientais (Katz, 2015).
Um desafio à “maldição dos recursos naturais” descreve o processo de desenvolvimento potencial por meio de indústrias baseadas em recursos, defendendo a capacidade latino-americana por meio de um posicionamento estratégico para o que seria a próxima revolução tecnológica ligada à biotecnologia, bioeletrônica, nanotecnologia e ciência dos materiais (Pérez, 2010). Dadas as desigualdades sociais, sugere-se um “modelo integrado duplo”: de cima para baixo, para alcançar a competitividade nos mercados globais e atingir a fronteira tecnológica em determinadas áreas e processos, gerando um efeito de reativação e propulsão para o crescimento econômico; de baixo para